Era uma tarde ensolarada. Mariana e Cecília passeavam por uma praia contando suas histórias e amores. Eram amigas de longa data, tanto que compartilharam chocalhos. Foram passar as férias juntas em Angra dos Reis e Cecília falava sobre seu novo namorado: homem de família, trabalhador, alto, moreno, bonito, o desejo de qualquer mulher. Mariana escutava paciente e feliz com uma felicidade fraternal.
Enquanto as duas passavam por mais um desses muros rabiscados e cheios de papéis colados avistaram um cartaz amarelado, meio envelhecido pela chuva e pela maresia e que dizia: “Jogam-se Búzios”. A maneira que estava escrita impressionou Cecília. Ela acreditou que talvez a pessoa tivesse algum conhecimento e que fosse ao menos sensata. Mariana logo deu a ideia:
- Não custa pelo menos conhecer. Uma consulta só não mata.
Cecília ainda estava intrigada com o cartaz tão corretamente escrito. Aceitou ir conhecer a tal “Mãe Lucrécia”. O endereço estava no canto inferior da folha meio apagado, mas ainda era discernível. Era em uma rua próxima, então subiram a estradinha da praia de onde se avistava a ilha da igreja.
O sol estava cada vez mais forte e mais próximo do meio dia. Uma brisa salgada batia no rosto e deixava as amigas com aquela sensação pegajosa, mas gostosa, que o vento marinho causa na pele. Cecília seguia pensando agora no que mãe Lucrécia diria sobre seu futuro: se casaria com seu namorado Marcos, se teria filhos com ele, se teria uma vida confortável. Eram tantos “se” que nem reparou no caminho. Andava apenas com a noção de estar próxima a Mariana e foi seguindo-a distraída, quando se deu conta estava na frente da casa do endereço. Na frente havia a mesma frase do cartaz: “Jogam-se búzios”.
A casa era meio antiga, uma mistura de madeira e alvenaria bem gastas. O lugar tinha um jeito esquisito, como se muitos segredos estivessem escondidos por detrás das tábuas de madeira e sob o chão de terra compactada. A porta estava aberta, quase escancarada, como se as convidasse a entrar. Havia um grande corredor, iluminado apenas por poucos raios de sol que atravessavam as janelas velhas e opacas. No fim do corredor um cômodo se abria não muito grande, mas suficiente para uma mesa simples de madeira com uma toalha vermelha e azul estendida sobre ela. Uma cortina carmim deixava toda a sala à meia luz. Num sofá preto desgastado um gato marrom se espreguiçava com olhos avermelhados e atentos.
Em outro canto da sala havia uma mulher alta e grandalhona, com olhos pretos e marcados com muita maquiagem. Seus cabelos pendiam em ondulações bagunçadas e disformes pelos ombros até quase seu cotovelo, usava um vestido que um dia talvez tenha sido de um amarelo vibrante, mas de alguma forma a cor parecia ter desbotado quase toda. Quando perguntou o que queriam a voz parecia quase profética. Era uma mulher estranha. Era Lúcrecia.
Cecília parecia indiferente ao clima do lugar. Isso afetava mais Mariana que estava assustada.
- Vi um cartaz na rua, vim saber meu futuro.
Ela parecia determinada e totalmente alienada ao. A outra permaneceu calada atenta ao gato marrom, às vezes disfarçava olhando objetos esotéricos aleatórios. A mulher misteriosa não disse mais nada. Sentou em sua cadeira, pegou seus búzios, jogou sobre a mesa e os analisou. O barulho das conchinhas batendo sobre a madeira assustou Mariana se encolheu como se quisesse manter o silêncio. Cecília olhava atenta querendo ver ali as respostas de sua vida. Lucrécia apenas observou enigmática e silenciosa as conchas por alguns segundos, levantou a cabeça e olhou diretamente nos olhos de Cecília:
- Vejo aqui que você irá se apaixonar.
- Eu já estou apaixonada senhora.
- Eu não estou falando do presente, estou falando do seu futuro. É um homem de cabelos claros, olhos verdes, de estatura média...
- Mas esse não é...
Lucrécia parou e olhou rapidamente para a menina com ar de quem não gostava de ser interrompida. Parecia estar contando até dez antes de voltar a falar e olhava fixamente para o gato marrom no sofá preto logo atrás de Cecília. Após o momento de silêncio ela voltou a falar com uma voz muito grave:
- Você se casará com esse homem e será muito feliz. Vocês terão dois filhos e ele ganhará muito dinheiro. Você morará em um lugar alto e com uma vista bonita. É tudo o que eu tenho a te dizer.
Cecília permaneceu quieta por alguns minutos, estava digerindo a informação. Então não era Marcos o homem que estava em seu destino e isso a deixou angustiada. Lucrécia levantou da cadeira em um movimento firme e com um gesto mandou que Cecília fizesse o mesmo. A mulher perguntou a Mariana se ela também consultaria os búzios e a menina balançou a cabeça negativamente. Pagaram os serviços e voltaram para casa. No caminho as meninas não disseram nada. Mariana ainda estava muito assustada e Cecília muito pensativa.
No dia seguinte as duas voltaram para suas casas no Rio de Janeiro no bairro da Tijuca. Cecília tinha o hábito de correr na pista próxima ao Maracanã. Estava correndo quando de um modo inesperado um galho de uma das árvores partiu e caiu bem na sua frente, o que a fez tropeçar. Logo atrás vinha um homem loiro, de estatura média, olhos verdes e bonitos correndo. Ele parou para ajudá-la. Ela sentiu que aquilo era um sinal místico de sua profecia. Ele pareceu interessado pela menina que logo lhe passou seu número de celular. Ele a deixou em casa e assim que foi possível ela correu para o telefone e ligou para Marcos, seu namorado. Pediu que ele viesse vê-la, pois não podia terminar o namoro pelo telefone. E assim o fez logo que ele sentou no sofá cinza de seu apartamento. Explicou que o amor tinha acabado e que a relação deles não iria longe de qualquer maneira, mas no fundo Cecília sentia uma dorzinha no peito (ela amava Marcos).
A menina começou a sair com Luiz (o corredor do maracanã) e seis meses depois já estavam casados. Tudo parecia estar acontecendo como Lucrécia disse que seria até que Luiz, que trabalhava como investidor, perdeu tudo em uma crise financeira. Eles foram morar no Vidigal, em dos pontos mais altos . A vista de lá era muito bonita, o problema era subir a ladeira. Luiz morreu vítima de uma bala perdida durante um tiroteio entre traficantes e policiais, deixando Cecília com três filhos órfãos de pai e com o quarto ainda na barriga. A vida ficou complicada, mas Cecília conseguiu criar os filhos trabalhando em casas de famílias abastadas da zona sul. Ela nunca mais se casou.
Marcos ficou chateado com o fim repentino do namoro com Cecília e buscou apoio em uma amizade com Mariana que acabou se afastando da amiga depois que ela se casou com Luiz. Os dois descobriram um tipo de afeto mais profundo e começaram a namorar. Entre amizade, namoro, noivado e casamento foram dois anos. Eles são muito felizes e tiveram um filho. Marcos ajudou sua empresa a passar sem prejuízos pela crise e foi promovido ao cargo de vice-presidente. Ele e Mariana moram na Barra da Tijuca de frente para o mar e estão planejando agora o nascimento do segundo filho. Cecília ainda possui uma bela vista para o mar.
(Stella Araujo)
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Querida Magnólia
Da janela eu via uma mulher.
Dona Magnólia, como costumei chamar.
Come sopa de colher
Por que não tem mais do que se alimentar.
Sorri um sorriso sem estrelas
Quando me vê passar pela calçada,
Mas ainda mostra um luzir de felicidade
por finalmente ser notada.
Tem cara de mãe,
Mas é sem filhos.
De certo é filha,
Mas não tem mãe.
Vive só sob a marquise da avenida
Pedindo somente um pão.
Ontem choveu muito.
Escutei o tossir de Magnólia.
Chorei pensando nela
E escrevi sua história.
Uma página apenas,
Escrevi o que sabia.
Ela não era ninguém
Para o povo que ali vivia.
De manhã havia um saco preto na rua.
Um grande pacote fúnebre.
E a única coisa que consegui pensar foi:
Por favor, que não seja a querida Magnólia.
(Stella Araujo)
Dona Magnólia, como costumei chamar.
Come sopa de colher
Por que não tem mais do que se alimentar.
Sorri um sorriso sem estrelas
Quando me vê passar pela calçada,
Mas ainda mostra um luzir de felicidade
por finalmente ser notada.
Tem cara de mãe,
Mas é sem filhos.
De certo é filha,
Mas não tem mãe.
Vive só sob a marquise da avenida
Pedindo somente um pão.
Ontem choveu muito.
Escutei o tossir de Magnólia.
Chorei pensando nela
E escrevi sua história.
Uma página apenas,
Escrevi o que sabia.
Ela não era ninguém
Para o povo que ali vivia.
De manhã havia um saco preto na rua.
Um grande pacote fúnebre.
E a única coisa que consegui pensar foi:
Por favor, que não seja a querida Magnólia.
(Stella Araujo)
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Processos de formação
Fui desamada.
Como isso pode ser antemaginado?
Depois de tanto amor abnegado,
Um amor tão justaposto.
Mas esse amorismo doente
Só comprova a patologia de minha mente.
Sempre fui amorista.
Que profissão terei agora?
Sempre dependi de derivações...
Prefixos e sufixações.
Hoje sou primitiva radical.
Para ser feliz
Não dependo de morfemas.
Ninguém além de mim.
(Stella Araujo)
Como isso pode ser antemaginado?
Depois de tanto amor abnegado,
Um amor tão justaposto.
Mas esse amorismo doente
Só comprova a patologia de minha mente.
Sempre fui amorista.
Que profissão terei agora?
Sempre dependi de derivações...
Prefixos e sufixações.
Hoje sou primitiva radical.
Para ser feliz
Não dependo de morfemas.
Ninguém além de mim.
(Stella Araujo)
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