quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Transitório

Se sei o que é o tempo?
Sei, mas não me pergunte.
Tempo se sente não se conta.
Grande erro são os relógios.
Tempo é coisa íntima da gente.
O tempo passa, mas para quem?
A beleza passou,
O amor passou,
A alegria passou,
Mas o tempo?
Ah! Esse ficou.
Desceu por meus cabelos brancos,
Mas ainda em mim.
Esperto prendeu-se a alma,
Bem pertinho assim.
O tempo me deu essas marcas.
Essas rugas pelo rosto envelhecido.
Deixou meus olhos opacos,
Quase cegos, mas ainda amigos.
O tempo não passou,
Eu é que passei.

(Stella Araujo)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Forma

Nunca pensei em escrever sonetos.
Prefiro descrever esses momentos.
Sempre fui poeta sem os pudores.
Divirto-me com as palavras livres.

Meus poemas são pássaros errantes.
Em revoada levantam temores.
Eles giram poeira turbulentos.
Porém sempre a mim hão de ser indômitos.

Os pensamentos sublimam dos cantos.
Vem de minha mente traçar encantos.
Flutuam no papel sempre tão leves.

Então quando me ouso perguntar deles
Aparecem com ar desses molambentos
Sem métrica ou conteúdo, rebeldes.

(Stella Araujo)

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Conversas

Não quero te trair Amor
Mas tu trais os incautos
Sendo dito assim sem mas.
Não diga que a culpa é de outro.
Se assuma como traidor!
Sim Amor,
Escutei tuas promessas,
Mas não caio mais na tua conversa.
Encontrei em outro coisa melhor.
Ele está comigo o tempo todo.
Não me abandona, não me trai,
Sou só dele e ele é só meu.
Não, não acho que o conheces.
Não faz parte de teus amigos.
Some com tuas juras!
Só preciso desse novo agora.
E se quiseres saber o nome...
Não, não me importo em dizer
Que seu nome é solidão.

(Stella Araujo)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Ironia

Belas flores roxas sobre a terra.
Que perfume exalam as azaléias!
Quis viver num jardim repleto delas,
Mas o mundo é de concreto
E não de terra.
As flores sorriem no odor suave de suas pétalas,
Mal eu viro e o vento acaricia a pele delas.
Que cor é a cor de suas astes!
E tão verdes são as folhas na lapela!
Espinho não vi nessas flores...
Nem se esconderam,
Nem arrancados foram.

Perfeição são essas flores
Que jazem junto à lápide
Do recente morto abaixo delas.

(Stella Araujo)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Menina no açúcar

Cecília observava as duas formigas que tocavam antenas. Será que voltariam a se encontrar entre tantas outras no formigueiro? Porque a vida é assim: em um momento está lá, no outro não. Eu sempre estarei em mim, mas os outros tendem a desaparecer a qualquer momento. E momentos são muito breves para a memória. Chora-se de saudade por um e depois de dois passou. Cecília esmagou uma formiga que passava bem na sua frente. As outras que seguiam o mesmo caminho pareciam parar para chorar a morte da companheira, mas de alguma forma a assassina sabia que não o caso e não tinha remorso. Matou uma formiga. Ela não sentia nada.
Ser formiga é tão insignificante. “Faz bem para os olhos” dizia Dona Vânia quando o açúcar estava cheio delas. Cecília as engolia. O mundo a engole todos os dias. No fundo sempre teve nojo delas, mas havia uma preguiça de se livrar daquilo, um acomodamento. Talvez o que sempre acreditou ser a superfície seja uma trama de caminhos subterrâneos que levam fundo para uma existência subcutânea. Como uma passagem para algo maior, algo que não se espera dentro de nós. Mas nunca teve a habilidade necessária para escavar a si mesma.
A menina estava intrigada com a trilha que aqueles seres formavam uma atrás da outra em um movimento bitolado como se precisassem bater cartão de presença.Contudo, para ela a rotina às vezes era uma benção. As paixões são "coisa humana", sem meio termo, ou constrói ou destrói. É questão de sorte e talvez, quem sabe, um pouco de razão. O mundo não é feito nem de extremos nem de equilíbrio. Na verdade o equilíbrio é feito de extremos intercalados. Não há palavra que descreva essa perfeição.Não para as formigas, para elas a questão se resolve em ritmo e quantidade. Cecília sempre pegava o mesmo trem, mesma estação, mesmas pessoas...
Ela decidiu andar até o formigueiro e com uma pequena pá começou a cavar procurando a rainha. A casa estava sendo destruída. As moradoras corriam em direções diversas perdidas. Ela não encontrou o que procurava, afastou-se do formigueiro e ficou observando. Toda ação tem algo de perpétuo. De uma forma milimetricamente importante aquilo ecoaria em algum pequeno universo. Como na vida de Cecília ecoavam pequenas escolhas antigas.
Ela não sentia nada dentro de si, nem o buraco negro que se formava. Ficou perdida depois dos acontecimentos. A menina não tinha rumo nenhum. Sempre dependeu de alguém que a guiasse e no fim das contas Cecília não era nada além de uma formiga crescida.

(Stella Araujo)