quinta-feira, 13 de junho de 2019

Morte e vida carioca


Enquanto a cidade e seus habitantes eram engolidos pela noite, pontos de luz surgiam no meio da decadência daquele lugar. Entre mendigos esquecidos, prostitutas tristes e trabalhadores cansados tudo era escuridão, sombra, e a beleza do que a luz iluminava. Cecília caminhava na calçada escura da rua do Lavradio em direção à avenida Chile quando avistou a Catedral de São Sebastião. Uma estrutura alta, iluminada, piramidal, como as construídas pelos maias e astecas. A visão do lugar tão semelhante ao que antes era usado pelos povos pré-colombianos para mortes violentas em homenagem a seus deuses e manutenção da vida na terra era assustadora. Distraída por seus pensamentos, a menina tropeçou em um homem de barbas e cabelos longos e grisalhos e roupa puída e suja que estava jogado no chão. Com os olhos vidrados disse-lhe: "o sacrifício somos nós". Aquilo ecoou na sua mente como um sino que badala e estende seu som pelo espaço. Um aviso mortal e cruel do mundo. Eram 22h e os executivos ou estavam com suas famílias em casa, ou nos pontos de luz que iluminavam os prédios comerciais, ou na escuridão dos relacionamentos extraconjugais. Sozinha na rua, Cecília era solidão, medo, mas também admiração pelo contraste entre o terror e a beleza do lugar. Era um quadro cruel e belo de sombra e luz em que mulheres se ofereciam aos carros que passavam perto da sagrada Catedral. Enquanto observava curiosa a paisagem e seus personagens, um olhar brilhante e cruel cruzou o seu. Era uma mulher baixinha em grandes saltos, com um vestido que lhe comprimia o corpo robusto, emoldurado por cabelos artificiais. Parecia sujeitar as outras que trabalhavam naquele ponto e gritou quando viu Cecília passar: "Aqui não entra novata, meu bem!". Sem entender o aviso, Cecília continuou seu caminho em direção à Rio Branco. A baixinha tirou não se sabe de onde um canivete que enfiou o mais fundo que pôde no peito de Cecília que caiu ensanguentada agarrando-se às grades da catedral. E aquele ato, na pequena cabeça da baixinha asseguraria a manutenção da sua existência e de seu mundo tal como era e sempre foi. A menina jorrava sangue espesso e vermelho formando uma poça e logo um rastro até as portas do santuário onde foi encontrada de madrugada por um segurança. Estava fria, branca e com as mãos estendidas em direção à cruz. A foto escatológica saiu nos jornais da manhã, cobriu o Centro da Cidade de medo e horror, mas logo a vida seguiu e o mundo girou como todos os outros dias.

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