terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Uma barata chamada G.H. Samsa

Essa semana tive um momento G.H, algo Lispector kafkaniano. O que Clarice Lispector, Franz Kafka e eu temos em comum? Baratas.

Todos meus dias são cansativos, mas esse em especial foi o pior. Não tenho certeza se foi segunda, terça, quarta, quinta ou sexta, mas foi durante semana passada. Voltava da faculdade como todos os dias, cheguei perto do portão de casa, puxei a corrente com minhas chaves como sempre quando vi uma sombra preta correr para um canto escuro, onde as luzes dos postes e dos carros não a alcançavam. No momento não soube distinguir aquela silhueta no escuro das vinte e uma horas da noite, mas quando dei meu primeiro passo em direção à porta ela veio na minha direção. Baratas, bichos valentes esses! Nunca vi outro animal que corresse em direção ao perigo como elas.

Talvez eu esteja equivocada ao dizer que ela corria em direção ao perigo. Minha primeira reação foi correr dela e atravessar o minúsculo canteiro vazio próximo à porta que formava um pequeno e débil fosso entre nós. Ela me encarava (eu sei que sim) e eu retribuía o olhar. Por alguns segundos estávamos estáticas esperando para ver quem daria o primeiro passo. Com o tempo percebi que não seria ela e então lentamente me movimentei novamente em direção ao portão. Ela correu e se escondeu no escuro por breves dois segundos e voltou correndo em minha direção. Eu novamente me refugiei atrás do “fosso”.

Durante essa cena deplorável mil pensamentos percorreram minha mente. Primeiro lembrei de Gregor Samsa, personagem de Kafka que durante o sono se transforma em uma barata. Inconscientemente comecei a cantar “Uma barata chamada Kafka” da banda Inimigos do Rei. Animadamente repetia: “Sim! Vem cá ficar comigo. Sim! Vem, Kafka...”. O segundo pensamento passou por “Paixão Segundo G.H.” da Clarice. Pensei na personagem comendo a barata e isso me deixou com muito nojo. Por alguns minutos pensei se eu sentiria o gosto e um momento de profunda reflexão me invadiu. No fim cheguei à conclusão de que sou maluca, mas sentiria o gosto sim. A vida não é tão insossa e, acredito eu, nem as baratas.

Depois desse mirabolante episódio descobri muitas coisas enquanto estava de pé atrás do “fosso” torcendo mentalmente para que a barata decidisse ir embora. Eu como todo ser humano (sim, estou generalizando) tenho medo de pequenas coisas. Eu enfrento grandes desafios todos os dias, mas fui incapaz de ultrapassar uma barata. Todo meu tamanho perto do meu medo injustificado não foi nada. Naquele momento eu era menor que aquele pequeno inseto. Tudo que eu desejava era uma lata de "Baygon", mas eu tinha um sapato bem ali. O sapato significava contato, o veneno mata a distância. Fiquei surpresa como a vida tem desses espantos incríveis como diz Ferreira Gullar. Por que nos distanciamos de tudo?

Depois desse "insight" e lembrando-me da infância quando Jerry do desenho Tom e Jerry disse: “ Você é um homem ou um rato?”. Perguntei a mim mesma se eu era uma barata ou uma mulher. Dei um passo para frente, atravessei o “fosso”, afugentei a barata, abri a porta e fui para casa.

(Stella Araujo)

domingo, 20 de novembro de 2011

Aos pedacinhos

Se me ama, ama assim aos pedacinhos.
Ame minhas orelhas,
Meu jeito estranho de andar.
Os olhos outros já amaram.
Ame meu dedinho mindinho,
Meu dedo médio, anelar
E seus formatos diferentes em cada mão.
Ama assim inesperadamente.
Ame como ninguém costuma amar.
Ame-me quando eu caio,
Ame-me quando eu desafino.
A lucidez todos já elogiaram,
Ame meus desatinos.
Ame-me quando eu estou doente.
Ame-me quando estou chata.
Quando sou feliz todos amam.
Ame-me sem motivos especiais,
Ame-me por me amar demais.
Porque o amor é feito passarinho,
Os afobados espantam.
Ame-me quando estiver longe,
Mas não sufoque o espaço.
Ame-me quando estiver pertinho,
Mas não me enforque com seu abraço.
Ame-me por ser a única assim como sou:
Com esses olhos que te olham
E que vão te amar se você me amar assim:
Aos pedacinhos.

(Stella Araujo)

domingo, 13 de novembro de 2011

Poema

Digo assim sem dizer
O que penso, sinto e vejo
Desse modo paralelo, reto, curto
Digo assim sem dizer que digo
Para você que sente como eu sinto.
Essas palavras espectros.
Um tanto transparentes,
Um tanto inocentes.
Ditas assim sem preocupação
Rápidas, translúcidas, úmidas.
Palavras espelhadas,
Sem cores definidas.
Sem formas conhecidas.
Pequenos "espantos" do coração.

(Stella Araujo)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Porta saco plástico para guarda-chuva molhado

Hoje acordei com um naco de sangue coagulado impedindo a passagem do ar pelas minhas fossas nasais.

Estou em Brasília, essa cidade seca e que se não fosse pelo lago Paranoá estaria em alguma matéria do Globo Repórter sobre existência de humanos em lugares de clima extremo logo após a Antártida e o deserto do Saara. Hoje, dia 1º de agosto de 2011 (ainda estamos na época da seca) de acordo com o telejornal a umidade era de 19% e nem sinal de chuva há muito tempo.

No Rio, tenho mania de andar sempre com um guarda-chuva na bolsa. Esse hábito é uma mistura de “minha bolsa tem de tudo” com “ Ih, choveu cabelo encolheu”. Porém, aqui em Brasília entre os meses de maio e setembro só os com muita esperança mantêm esse objeto por perto, ou os que usam guarda-chuva como guarda-sol. Mesmo quando nosso bom Deus dá a benção de uma precipitação é sempre uma leve garoa, nada que preocupe 90% das pessoas.

Todo esse lenga lenga leva ao real motivo da existência desse texto. Hoje estive no prédio da Embratur e quando estava saindo avistei uma estrutura metálica estranha e que armazenava vários sacos plásticos transparentes. Fiquei curiosa, aproximei-me só para ficar chocada com a utilidade de tal geringonça. Os sacos plásticos são para pôr o guarda-chuva molhado! Que grande invento esse! Talvez até marque um período histórico como a máquina à vapor. Sem falar nos gastos públicos sendo tão bem gerenciados e no impacto ambiental com o plástico sendo finalmente sanado. Um porta saco plástico para guarda-chuva molhado... Como não pensei nisso? O velho truque de saco de supermercado já não é opção.

A minha emoção estava nas instruções de como guardar o objeto úmido pela chuva (que enfatizo, nessa época não existe em Brasília). Confesso que se não fosse pelas instruções eu realmente não saberia a serventia de tal invenção. Elas apenas por imagens eram tão eficazes que ignorarei o maldito porta saco plástico para guarda-chuva molhado apodrecendo sem uso no corredor da Embratur, para parabenizar o criador das instruções tão delicadamente impressas e coladas na estrutura metálica. No fim, elas tiveram mais serventia do que o objeto em si, já que não entendi de pronto sua função. Parabéns pra você que as desenhou e ensinou para a população de Brasília como armazenar um guarda-chuva molhado em um saco plástico.

(Stella Araujo)

domingo, 22 de maio de 2011

Empatia

Tenho sentido o frio da natureza
Deitada na minha cama,
Enrolada no cobertor.
Tenho chorado por amores
Que vejo apenas no televisor.
Tenho rido de piadas
De personagens de meus livros.
Tenho amado e odiado as letras,
As únicas que estão sempre comigo.
Tenho suspirado por quem não existe
Por ser de outro e não meu.
Tenho me cansado de discussões
Em que meu nome nunca apareceu.
Tenho sentido o ar rarefeito
Das montanhas que não escalei.
Tenho sentido as dores do parto
Do filho que não é meu.
Tenho sentido o medo
Dos terrores das imagens.
Tenho casado com os noivos
De outros casamentos
Que vi apenas de passagem.
Pensamentos!
Minha vida em pensamentos...
Que medo é viver no real ordenamento
Desse mundo que a maioria nunca conheceu.

(Stella Araujo)

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Metáfora

Os olhos são a janela da alma
E dentro deles existem
Olhos que vêem
Através da janela da alma,
Que vêem através da janela,
Que vêem ad infinitum
Através da janela.
Olhos que vêem no escuro
A transfiguração.

(Stella Araujo)

terça-feira, 10 de maio de 2011

Trilicidade

Deve haver algo
Entre a tristeza e a felicidade.
Algo que caracterize equidade,
Algo justo como se propõe o filósofo.
Resolvi nomear esse sentimento:
Trilicidade.
A terça parte,
Não em hierarquia,
Mas em descobrimento,
Pois na ordem natural
O homem descobriu a felicidade,
Tropeçou nela
E descobriu a tristeza.
E hoje eu,
Grande navegadora de mim,
Descobri que sou também triliz.
Não é algo que caiba em verbete,
Se sente e pronto.
Nenhum sentimento cabe no dicionário,
São do tamanho do mundo.
Hoje estou triliz.

(Stella Araujo)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Fim

Meu corpo queima ao sabor dos sonhos.
Meus pensamentos concretizam-se internos.
Quando eu, querido que me lê, deixar meu                                                                         [corpo,
Pois sou muito mais esse poema que carne.
Quando não mais for residente desta casca,
Essa que me limita e me adoece.
Faça da metáfora fato!
Queime-me e faça-me pó.
Sou eu quando meus pensamentos estão em                                                                         [mim.
Quando esses pensamentos,
Lagartas em minha mente,
Formarem asas e voarem coloridos
Queime-me leitor de mim!
E então serei como a página queimada
Que não mais existe,
Mas que já teve a mensagem lida.
Jogue-me no ar,
Que como Deus não vejo,
Mas sinto me tocar.

(Stella Araujo)

terça-feira, 5 de abril de 2011

A sete palmos do chão

Como fogo queima ao céu,
Mas não da terra desliga
Com esse coração briga
O eterno mausoléu.

A esquife, velha amiga,
Dos sonhos é casitéu.
Leva de mim a fadiga,
Para ganhar meu troféu.

Nesse rico cemitério
Onde enterrei os meus sonhos
Escolha não há critério:

Nos epitáfios pidonhos
Nessas palavras tão sério
Morreram todos inconhos.

(Stella Araujo)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Transitório

Se sei o que é o tempo?
Sei, mas não me pergunte.
Tempo se sente não se conta.
Grande erro são os relógios.
Tempo é coisa íntima da gente.
O tempo passa, mas para quem?
A beleza passou,
O amor passou,
A alegria passou,
Mas o tempo?
Ah! Esse ficou.
Desceu por meus cabelos brancos,
Mas ainda em mim.
Esperto prendeu-se a alma,
Bem pertinho assim.
O tempo me deu essas marcas.
Essas rugas pelo rosto envelhecido.
Deixou meus olhos opacos,
Quase cegos, mas ainda amigos.
O tempo não passou,
Eu é que passei.

(Stella Araujo)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Forma

Nunca pensei em escrever sonetos.
Prefiro descrever esses momentos.
Sempre fui poeta sem os pudores.
Divirto-me com as palavras livres.

Meus poemas são pássaros errantes.
Em revoada levantam temores.
Eles giram poeira turbulentos.
Porém sempre a mim hão de ser indômitos.

Os pensamentos sublimam dos cantos.
Vem de minha mente traçar encantos.
Flutuam no papel sempre tão leves.

Então quando me ouso perguntar deles
Aparecem com ar desses molambentos
Sem métrica ou conteúdo, rebeldes.

(Stella Araujo)

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Conversas

Não quero te trair Amor
Mas tu trais os incautos
Sendo dito assim sem mas.
Não diga que a culpa é de outro.
Se assuma como traidor!
Sim Amor,
Escutei tuas promessas,
Mas não caio mais na tua conversa.
Encontrei em outro coisa melhor.
Ele está comigo o tempo todo.
Não me abandona, não me trai,
Sou só dele e ele é só meu.
Não, não acho que o conheces.
Não faz parte de teus amigos.
Some com tuas juras!
Só preciso desse novo agora.
E se quiseres saber o nome...
Não, não me importo em dizer
Que seu nome é solidão.

(Stella Araujo)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Ironia

Belas flores roxas sobre a terra.
Que perfume exalam as azaléias!
Quis viver num jardim repleto delas,
Mas o mundo é de concreto
E não de terra.
As flores sorriem no odor suave de suas pétalas,
Mal eu viro e o vento acaricia a pele delas.
Que cor é a cor de suas astes!
E tão verdes são as folhas na lapela!
Espinho não vi nessas flores...
Nem se esconderam,
Nem arrancados foram.

Perfeição são essas flores
Que jazem junto à lápide
Do recente morto abaixo delas.

(Stella Araujo)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Menina no açúcar

Cecília observava as duas formigas que tocavam antenas. Será que voltariam a se encontrar entre tantas outras no formigueiro? Porque a vida é assim: em um momento está lá, no outro não. Eu sempre estarei em mim, mas os outros tendem a desaparecer a qualquer momento. E momentos são muito breves para a memória. Chora-se de saudade por um e depois de dois passou. Cecília esmagou uma formiga que passava bem na sua frente. As outras que seguiam o mesmo caminho pareciam parar para chorar a morte da companheira, mas de alguma forma a assassina sabia que não o caso e não tinha remorso. Matou uma formiga. Ela não sentia nada.
Ser formiga é tão insignificante. “Faz bem para os olhos” dizia Dona Vânia quando o açúcar estava cheio delas. Cecília as engolia. O mundo a engole todos os dias. No fundo sempre teve nojo delas, mas havia uma preguiça de se livrar daquilo, um acomodamento. Talvez o que sempre acreditou ser a superfície seja uma trama de caminhos subterrâneos que levam fundo para uma existência subcutânea. Como uma passagem para algo maior, algo que não se espera dentro de nós. Mas nunca teve a habilidade necessária para escavar a si mesma.
A menina estava intrigada com a trilha que aqueles seres formavam uma atrás da outra em um movimento bitolado como se precisassem bater cartão de presença.Contudo, para ela a rotina às vezes era uma benção. As paixões são "coisa humana", sem meio termo, ou constrói ou destrói. É questão de sorte e talvez, quem sabe, um pouco de razão. O mundo não é feito nem de extremos nem de equilíbrio. Na verdade o equilíbrio é feito de extremos intercalados. Não há palavra que descreva essa perfeição.Não para as formigas, para elas a questão se resolve em ritmo e quantidade. Cecília sempre pegava o mesmo trem, mesma estação, mesmas pessoas...
Ela decidiu andar até o formigueiro e com uma pequena pá começou a cavar procurando a rainha. A casa estava sendo destruída. As moradoras corriam em direções diversas perdidas. Ela não encontrou o que procurava, afastou-se do formigueiro e ficou observando. Toda ação tem algo de perpétuo. De uma forma milimetricamente importante aquilo ecoaria em algum pequeno universo. Como na vida de Cecília ecoavam pequenas escolhas antigas.
Ela não sentia nada dentro de si, nem o buraco negro que se formava. Ficou perdida depois dos acontecimentos. A menina não tinha rumo nenhum. Sempre dependeu de alguém que a guiasse e no fim das contas Cecília não era nada além de uma formiga crescida.

(Stella Araujo)

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Garganta

Cecília desde recém nascida tinha o estranho hábito de engolir as coisas. Não é uma piada de mau gosto, caro leitor. Tudo começou quando engoliu as bolinhas internas de seu chocalho. Evoluiu quando ela engoliu o sapatinho de uma de suas bonecas, mas nada foi tão desafiador como quando sua mãe disse: “Engula esse choro, menina!” e assim ela o fez. Aquele momento talvez explicasse a curiosa carreira de engolidora de espadas da menina. Ela passou a engolir a tristeza, a dor, a mentira e se esqueceu como era viver com aquilo diante de seus olhos. Tinha que conviver com a digestão lenta daquele ácido.
O interessante era que Cecília acreditava que para aliviar seus problemas de asia precisa de algum remédio básico, aprendeu isso em uma aula de química. Por algum motivo as pessoas acham que ácidos e bases são como “yin e yang”, amor e ódio, mas ambos podem queimar, corroer, e isso os dá algo em comum.
Ela sempre gostou de ácido acético em suas saladas, mas algumas coisas simplesmente não descem, sufocam como uma espinha de peixe que prende na garganta. E sua avó dizia: “Engole essa farinha, minha filha”. A farinha nunca funcionava direito. Por mais que a espinha seguisse seu caminho natural a garganta sempre ardia. Tem coisa que desce rasgando. Alguns sentimentos ela engolia como uma dose de cachaça, mas aquela lerdeza dos fracos de bebida ela nunca sentiu, talvez por que faltasse alguma coisa a ela.
Ela gostava dos sinais de corrosão e erosão. Sempre achou que aquilo dava um ar soberano e etéreo. Talvez seja assim com as pessoas e algumas marcas as fazem quase heroicas (isso se conseguirem suportar). Não é uma questão de força, mas do ácido que você engoliu, algo a ver com o número de hidrogênios... Vai saber! Mas química nunca foi seu forte, nunca aprendeu a nomenclatura dos ácidos e bases. Fazia-se de menina esperta. Engoliu as notas vermelhas durante todo seu ensino médio e tanta falta de preocupação com a escola não a tornaria uma advogada ou médica.
Ela apresentava-se no circo Grand Maestrum todos finais de semana. As cadeiras se enchiam para assistir à grande engolidora de espadas. O resto da semana era livre e todo esse tempo e liberdade cobram seu preço. A maioria das pessoas sofre do mal da boca grande, Cecília com certeza estava entre elas. Falar demais nunca é bom. A mãe dela sempre dizia: “Minha filha, Deus te deu dois ouvidos e uma boca. Escute mais e fale menos”, mas a menina sempre respondia: “Minha boca vale por três ouvidos, fui feita para falar mais”. Nessa de falar mais sempre acabava engolindo desaforos, não que fosse difícil para ela engolir esse tipo de coisa (estava mais em sua natureza do que respirar).
Essa vida de engolidora não era das mais incríveis, mas não era tão sem graça. Quantas pessoas conseguem engolir espadas ou mesmo um desaforo? Havia uma habilidade incomum, mas desinteressante nela, como enrolar a língua, ou encostar o dedo nas costas da mão. As pessoas não dão muito valor. Ela mesma nunca se importou com isso, engoliu todo o orgulho que tinha.
O tempo passa e não perdoa ninguém, um dia todo mundo envelhece, mas um dia é muito indefinido nesse caso. Cecília envelheceu com 30 anos. Engolia as dores, as doenças, os cabelos brancos, mas nada saia dela. Na verdade nada nunca saiu. Ela estava cada vez mais cheia de tudo. Foi com 40 anos que o mundo a engoliu e ela não suportava mais engolir nada. Foi tudo tão rápido, em um "vap!" foi engolida pelo mundo, enquanto ela tentava o engolir. Alguém disse a ela que ele estava encolhendo, mas não passa de bobagem! Enquanto tentava engolir tudo vomitou a si mesma em uma sarjeta. A água passou e lavou aquele pouco material ácido e nojento, meio digerido, meio não. Não se podia esperar que o mundo coubesse em seu estômago, mas com certeza aquele era um meio de encher o vazio que havia nela.

(Stella Araujo)

domingo, 9 de janeiro de 2011

À pés livres

Visto-me de projetos e ocupações,
Mas às vezes preciso da minha mente nua,
Desvairada e devassa.
Por mais que por fora
Eu ainda esteja de terninho e meia calça.
Por isso sempre escrevo vestida,
Porém descalça.

(Stella Araujo)

sábado, 8 de janeiro de 2011

Aquarela

Para alguns em preto e branco,
Para outros cor de rosa,
Sempre fui de matizar.
Assim foi minha vida:
Sai da maternidade de vermelho,
Céu azul, sol dourado.
Quinze anos em noite negra
De céu estrelado.
Casamento de branco,
Lua de mel azul e rosado.
Raramente havia dias
Que fossem acinzentados.
Quando procurava paz
Procurava um campo esverdeado.
E na minha casa amarela
Guardava em esquecimento
O que tinha desbotado.

(Stella Araujo)